domingo, 21 de outubro de 2012

Choque simula confusão para dar segurança em estádio

Torcedores corinthianos tentam passar pelo Choque


O cronômetro somava 38 minutos do segundo tempo de partida e o placar eletrônico apontava 3 a 1 para os argentinos do River Plate sobre o Corinthians. O resultado representava a eliminação corinthiana na fase semifinal da Copa Libertadores da América de 2006 em pleno estádio do Pacaembu, tomado pela torcida alvinegra. 

A desclassificação dos donos da casa, que saíram na frente do marcador e estavam garantindo a inédita presença na final do torneio (o primeiro jogo havia terminado 3 a 2 para os argentinos, em Buenos Aires), acirrou os ânimos de boa parte de uma das principais torcidas organizadas do clube. 

Sem nem ao menos esperar o apito final do arbitro chileno Carlos Chandía, uma multidão enfurecida aglomerou-se diante do portão de acesso ao campo e tentou de todas as maneiras, fosse com chutes ou socos, invadir o palco de jogo. 

A situação começou a perder o controle naquela noite de quinta-feira, 4 de maio, quando esses torcedores finalmente conseguiram romper o portão que lhes permitiria ter acesso aos jogadores. 

Para evitar a catástrofe iminente, os policiais militares do 2º Batalhão de Polícia de Choque Anchieta (BPChq) liderados pelo capitão Alexandre Vilariço Alves de Oliveira, de 38 anos, formaram um verdadeira muro humano para enfrentar a revoltada torcida. 

A partida foi encerrada pela arbitragem aos 40 minutos da etapa complementar, mas a batalha entre torcida organizada e Polícia Militar estendeu-se por muito mais tempo. 

O capitão Vilariço relembrou como ele e cerca 20 policiais se aglomeraram na passagem do portão e contiveram o avanço da massa. “Eu falava a todo o momento para a tropa para não se mexer, não sair daquela posição, porque se a gente saísse, a multidão iria invadir”, rememora. “Só que teve um momento em que não dava mais para suportar. Estávamos em 15 a 20 policias, então, precisamos utilizar granadas”, conta.

Nos momentos mais críticos do atrito, a prioridade, mais do que necessariamente impedir a entrada dos torcedores na praça esportiva, era garantir a integridade do PMs daquele muro humano. “A minha maior preocupação”, diz o capitão, “era com a tropa, para evitar que alguém se desgarrasse do grupo. Imagine um policial sozinho no meio daquele grupo da torcida organizada? Com certeza iria morrer”, afirma.

A situação quase aconteceu, mas foi evitada pelo capitão e seus comandados. “Alguns policiais chegaram a cair no chão, mas a gente conseguiu segura-los pela farda e puxá-los de volta para o grupo”, conta o capitão, que tem 20 anos de Polícia Militar.

“Em 12 anos de batalhão, com certeza, foi o momento mais marcante da minha carreira. Teve uma repercussão bastante positiva. Recebemos gratificações, medalhas e órgãos de imprensa internacional nos ligaram”, revela. 

O resgate a torcedor ferido nas arquibancadas é simulado
O preparo apresentado pelos oficiais do Choque não surgiu ao acaso, é resultado de treinamento e planejamento. Quem garante é o tenente Thiago Hideyuki Pedreira Chiyo, de 29 anos. 

“Fora a coragem dos policiais, tudo aquilo foi feito em cima de técnicas que a gente treina e aprende no dia a dia, que envolve o psicológico do policial, preparo físico, treinamento e consciência da técnica a ser empregada”, garante o tenente. “Aquilo foi resultado de um longo tempo de trabalho, não foi sorte”. 

Diariamente, os policiais do 2º Batalhão de Choque fazem treinamento de controle de distúrbios civis, seguido de educação física, no período da manhã. Após o almoço, recebem instruções teóricas em sala de aula, onde aprendem sobre legislação e analisam casos anteriores para constatar os aspectos que podem ser melhorados e as adequações necessárias. Os membros do 2º Batalhão de Choque atuam, além de partidas de futebol, em shows e retomada de presídios.

Ao término da parte teórica, desenvolvem mais atividades físicas, entre elas artes marciais e técnicas de imobilização “para o bom preparo do policial, que tem que subir muita escada, permanece muito tempo em pé e carrega equipamentos pesados”, explica o tenente Chiyo. 

Em dia de jogo ou show, a tropa apresenta-se no batalhão e realiza preleção, momento em que são passadas informações e orientações que já foram decididas em reuniões preparatórias dias antes. 

O risco da partida, os problemas que podem ser enfrentados, se houve confronto nas partidas anteriores, torcedores proibidos de entrar e lugares que são usados pelas organizadas para entrar com instrumentos proibidos são algumas das informações passadas pelos setores de inteligência da PM nesta etapa, antes de rumarem para o local do evento. 

Na sala de aula

No dia em que recebeu a reportagem do Portal da SSP, o tenente, que está no 2º Batalhão desde 2004, ministrou aula sobre balizamento, explicando à turma as formas corretas de posicionar as grades de contenção, evitando aglomerações e tumultos nos portões e catracas de entrada. 

Na apresentação de slides feita aos alunos, foram revisadas as características geográficas de cada um dos principais palcos futebolísticos da capital – Pacaembu, Morumbi, Parque Antártica e Canindé – já que, em cada local, o posicionamento das balizas é diferenciado. 

O diálogo constante pelos rádios para controlar o fluxo do publico em cada barreira policial, chamado de “sistema de válvulas”, é outro capítulo da aula. 

Na seqüência, o professor destaca a importância da boa educação com o torcedor. “O trato com o torcedor tem sido um ícone bastante conversado. Sempre procuro chamar a atenção do policial para que trate bem as pessoas”, afirma. 

Ele fez questão de apontar que os bons modos criam um laço de cumplicidade própria de amigo entre publico e Polícia Militar. “Essa abordagem mais pacífica não tira a autoridade, ela dá um amigo, um parceiro ao policial, que é o que queremos. Até que se prove o contrário, todos são pessoas de bem, que merecem bom tratamento de uma polícia técnica e especializada”, disse em aula. 

Por fim, passou noções de legislação, apontando os artigos da lei que permitem ao PM realizar revista pessoal nos torcedores, crianças inclusive, para coibir a entrada de matérias proibidos (“e se alguém perguntar?”).
 
Simulando problemas

Depois da aula, a turma foi ao pátio do batalhão onde um cenário já estava montado para simular a passagem de torcedores pelas balizas e pela revista. Alguns alunos, fazendo papel de pessoas do povo – com instrumentos musicais e gritos de guerra comuns em partidas de futebol, tentam passar pelas barreiras policiais com objetos ilícitos ou sem ingresso, testando as medidas corretas que os policiais militares devem tomar. 

Situações de atendimento médico nas arquibancadas e prisões feitas em meio a brigas são outros cenários recriados no local para testar a capacidade de reação da tropa. 

O comandante do 2º Batalhão de Choque, o tenente coronel José Balestieiro Filho, explica o que é feito quando é necessário prender um torcedor exaltado. “Os policias entram na confusão e dividem a massa para separar a briga, enquanto um policial já tem a missão específica de deter o líder do tumulto. Ele já entra sabendo o que vai fazer. Por isso, às vezes, a polícia demora um pouco para intervir, pois ela avalia a situação para identificar e sair com a pessoa detida”, afirma. “Isso soluciona o problema da briga, pois o grupo perde a euforia, perde o calor, já que quem causa a confusão é o líder”, explica. 

Até mesmo a forma adequada de como suportar a pressão externa e manter a formação da tropa – tão necessário no confronto com os torcedores do Pacaembu em 2006 - é treinado, segundo o capitão Vilariço. “Fazemos um treinamento diário em que é formada uma linha de policiais que devem manter suas posições independente do que estiver acontecendo, como pessoas jogando lata ou cuspindo”, afirma.  

O tenente Chiyo recordou de outro episódio, também durante uma partida de Libertadores, só que em 2005, em que foi necessário o uso de força por parte da PM para evitar o caos. 

“Na final da Libertadores entre São Paulo e Atlético-PR, muita gente ficou do lado de fora do estádio. Cerca de 10 mil pessoas. Houve uma tentativa de invasão em massa pelos portões”, relata o tenente, que ainda ressalta: “Não trabalhamos com sorte. O segredo não é a sorte, é o trabalho, treinamento, conhecimento e preparo do policial, sempre”, conclui. 



O tenente Chiyo passa orientações para a tropa
Torcedor sem ingresso é removido para não causar tumulto
Policiais do Choque procuram por objetos ilícitos durante revista
Instrumentos de torcidas organizadas também devem passar  por revista


Guilherme Uchoa

Fotos: Conflito - Rubens Cavallari/ Folha Imagem. Treinamento - Guilherme Uchoa