domingo, 26 de maio de 2013

Há 50 anos, basquete brasileiro conquistava o bimundial

Por Guilherme Uchoa

Durante pelo menos 20 anos, o basquetebol brasileiro esteve habilitado para competir em alto nível contra as duas principais potências da modalidade: Estados Unidos e União Soviética. Neste período, que empreendeu as décadas de 1950 e 1960, as três nações revezavam-se nas primeiras colocações nos pódios olímpicos e mundiais – algo impensável para a atual realidade do esporte no país.
Kanela comandava a seleção com rigor e autoridade

Foi nessa fase que o Brasil conquistou, comandados pelo técnico Kanela, e liderados em quadra pelos craques Wlamir Marques e Amaury Pasos, dois títulos mundiais e duas medalhas em Jogos Olímpicos. A esse currículo somam-se as cinco conquistas sul-americanas, já que nem os hermanos do Uruguai e da Argentina, costumeiramente grande algozes, conseguiam impor grande resistência ao escrete canarinho.

Dentre tamanhas vitórias e do bom momento que o Brasil vivia em outras modalidades (o boxe com Eder Jofre, tênis com Maria Esther Bueno, e o futebol com Pelé e Garrincha), a mais valiosa para o esporte da bola laranja, foi o bimundial de 1963, que neste sábado (25) completa 50 anos.

Neste ano, o torneio foi realizado no Rio de Janeiro, que já havia sido sede do mundial de 1954, quando o Brasil ficou com a prata. A escolha do local foi determinante para Kanela e seus comandados já que, na Cidade Maravilhosa, contou com o apoio expressivo to torcedor carioca, sempre lotando as dependências do ginásio do Maracanãzinho. “O ginásio já estava lotado desde a estreia, não cabia nem uma mosca, e “vinha abaixo” quando entravamos na quadra”, conta o ex-pivô Antônio Sucar. “Era impressionante”, completa.

Antes do início do certame, entretanto, o Brasil sofreu um baque: deixou escapar o título do Pan-americano de 63 para os Estados Unidos, jogando no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Depois da competição em solos paulistas, as duas seleções seguiram direto para o Rio.

Por ser o país-sede do Mundial, o Brasil não participou da fase de grupos, estando automaticamente classificado para a segunda fase. A partir daí, foram seis partidas, com 100% de aproveitamento.

Amaury Pasos era um dos principais nomes da seleção brasileira
A estreia foi contra o time de Porto Rico, que segundo o ex-pivo Luiz Cláudio Menon, dificultou ao máximo a vida dos anfitriões. “Contra Porto Rico jogamos muito mal. Porto Rico sempre teve um intercambio constante com os Estados Unidos e, por isso, é um time chato de jogar contra. Eles marcam muito bem, tiveram uma boa produtividade de cestas e aliado a uma estreia com o Maracanãzinho lotado e uma gritaria desgraçada, o nosso time não andou”, explica. Apesar das adversidades, vitória verde e amarela por 62 à 55.

Os três jogos seguintes terminaram com vitórias tranquilas dos brasileiros, primeiro sobre a Itália, por 81 x 62, em seguida para a Iugoslávia, por 90 à 71, e logo após, contra os franceses, desta vez por 77 à 63.

Na reta final do certame, veio a hora de enfrentar os dois maiores rivais brasileiros. No dia 23 de maio, com uma partida memorável do ala Victor Mirshauswka, autor de 27 pontos, o Brasil passou pelos soviéticos. Placar final de 90 x 79.

Já no dia 25 de maio veio a consagração do título com a vitoria diante da poderosa seleção norte americana por 85 á 81, em um ginásio tomado pela torcida brasileira.

Segundo o ex-ala Wlamir Marques, a data ficou marcada como o momento mais importante de sua carreira “Minha maior emoção foi o mundial do Rio, em 63. No Maracanãzinho lotado, ganhamos de forma invicta. Éramos credenciados a ganhar, embora achássemos que fosse difícil porque uma semana antes do início do mundial havíamos perdido o Pan-americano para a seleção dos Estados Unidos” recorda. “Quando ganhamos o último jogo, teve aquela invasão, quase fiquei pelado em quadra. Essa foi, sem dúvida nenhuma, a maior emoção que passei”, diverte-se.

Com a campanha perfeita, não foi surpresa que Wlamir e Amaury fossem escolhidos para integrar o quinteto do campeonato. Ao todo, o Diabo Loiro fez 108 pontos (média de 18 por partida), enquanto que Amaury Pasos computou 106 (17,6 por jogo). A dupla foi responsável por 214 dos 485 pontos anotados pelo Brasil na competição.

Dessa maneira, de forma inquestionável, diante de sua torcida, e vencendo os adversários mais duros, o basquete brasileiro repetiu o feito que o futebol já havia alcançado no ano anterior, no Chile: ser bicampeão mundial. A coquista na Cidade Maravilhosa, abençoada pelo Cristo Redentor, serviu para coroar uma geração que não recebia nada para servir a seleção brasileira. Apenas a honra e o orgulho de vestir a camisa verde e amarela.

Fotos: Divulgação/ CBB


Wlamir Marques, o menino de São Vicente que ganhou o mundo

Por Guilherme Uchoa

O garoto que na infância pulava o muro de sua casa e caia diretamente no ginásio do clube Tumiaru, de São Vicente, para brincar de basquete com amigos usando uma bolinha de tênis, rapidamente cresceu e viu que poderia ter destaque no esporte.

 Wlamir erguendo taça do mundial de 1963
Wlamir Marques, que morava na cidade do litoral paulista, rumou para o interior do Estado, em Piracicaba, onde, após impressionar os dirigentes em uma edição dos Jogos Abertos, e sob as promessas de moradia, alimentação, auxílio financeiro e escolar, começou a jogar pelo XV de Novembro local – uma das potências de São Paulo na modalidade, naquela época.

Os estudos, confessa Wlamir, ficavam em segundo plano. A consequência imediata, o boletim cada vez mais manchado de vermelho. Mas nas quadras, o ‘alemãozinho’ – como viria a ser chamado constantemente pelo técnico Kanela em seus anos de seleção brasileira – tinha destaque.

De tanto ‘voar’ em quadra, recebeu outro apelido: ‘Disco Voador’. E para orgulho da população da cidade, ainda havia o complemento ‘de Piracicaba’.  Já defendendo as cores do Brasil em torneios internacionais, ganhou outro rótulo. Sua forma fulminante de jogar – veloz, saindo muito do chão e quase sempre liderando as pontuações individuais das partidas – aliada à beleza destacada pelo público feminino (diziam que tinha pinta de galã), lhe renderam mais uma alcunha, esta de autoria da imprensa carioca. “Diabo Loiro”.

A exemplo de Amaury Pasos, seu grande companheiro nas conquistas brasileiras, Wlamir teve sua iniciação esportiva direcionada em diversas modalidades. Ainda morando no litoral paulista, praticava natação, pois sua mãe queria. Era goleiro de futebol, em função do pai. Praticava atletismo porque um irmão era professor de Educação Física. E jogava vôlei, porque seu tio era técnico.

O único esporte que praticava por puro prazer era o basquetebol. Com 13, quase 14 anos, mudou-se para casa cujo muro era a porta a ser escalada para o basquete, na Rua Expedicionário Vicentino.  “Eu pulei o muro, cai na quadra do clube e até hoje nunca mais saí dessa quadra”, recorda o ex-jogador durante entrevista concedida à reportagem na área de lazer de seu prédio, em Perdizes, São Paulo, em um belo dia ensolarado, do mês de abril.

Sentado ao lado da piscina do condomínio, e com o cenário de uma quadra de basquete de piso duro ao fundo, o hoje comentarista esportivo dos canais ESPN relembra a carreira vitoriosa e as principais conquistas pela seleção principal do Brasil.

Ele lembra que, em 1954, começou a treinar com o time de Kanela para o Mundial que o Brasil sediaria. E o primeiro treino caiu na exata data em que completava 17 anos: 16 de julho. Ao final deste treino – lembra -, o comandante Kanela comprou um bolo para comemorar o momento. Ao todo, foram 18 anos de seleção nacional, na qual sempre foi titular.

O Diabo Loiro relata que o primeiro campeonato mundial que jogaria, em 1954, seria realizado em São Paulo, em comemoração aos 400 anos da cidade. Entretanto, a queda de parte da cúpula do ginásio do Ibirapuera impediu a realização dos jogos, que foram transferidos para o Maracanazinho – ainda em obras. 

“O ginásio estava com pregos e tábuas de madeiras espalhadas pelo local. Colocaram um piso de madeira, protegeram as pessoas de alguns objetos e assim foi disputado o torneio. Permanentemente lotado”, conta.

Mas apesar da fama conquistada no esporte, era preciso trabalhar para sobreviver. Em Piracicaba, depois de já estar casado, Wlamir pediu auxilio para um diretor de seu clube. Depois de alguns contatos com políticos no Rio, o ‘alemão’ conseguiu trabalho como postalista dos Correios. O dinheiro do basquete servia apenas como bico. Mesmo no Corinthians, exercia funções paralelas, pois já tinha esposa e dois filhos. Os estudos também foram deixados de lado por falta de tempo: Wlamir não comparecia às aulas por passar muito tempo com a seleção brasileira.

Mas, o tempo dedicado ao escrete canarinho teve lá seu retorno. Em 1963, Wlamir Marques foi um dos pilares – e maior pontuador verde e amarelo – durante a campanha que rendeu ao Brasil seu segundo título mundial. Ao todo, somou 108 pontos em seis partidas, atingindo média de 18 pontos em cada confronto. Ele inclusive ficou dois pontos à frente de Amaury.

Wlamir Marques foi o cestinha brasileiro no mundial do Rio, em 1963
“Minha maior emoção foi sem dúvida no Mundial do Rio, em 63, no Maracanãzinho lotado, quando ganhamos de forma invicta. Eu era o capitão do time e tinha gente sentada na linha da quadra. Quando ganhamos o último jogo, teve aquela invasão e quase fiquei pelado em quadra”, afirma. “Éramos credenciados a ganhar, embora achássemos que fosse difícil, já que uma semana antes do início do mundial havíamos perdidos para os Estados Unidos no Pan-americano de São Paulo, no ginásio do Ibirapuera”, conta, lembrando-se do torneio em que os dois países se enfrentaram antes de rumarem para a Cidade Maravilhosa. “De lá, as duas seleções foram pro Rio de Janeiro, só que dessa vez nós vencemos”, celebra.

Por sempre jogar com os mesmos companheiros, seja em seus clubes ou pela seleção canarinha, Wlamir desenvolveu um nível de entrosamento que lhe permitia realizar jogadas insólitas para o basquete da época.

“O Ubiratan saltava muito; então, eu jogava a bola pertinho do aro e ele já ‘cravava’. Fazia isso com ele no Corinthians, onde jogamos durante oito anos. Às vezes, eu ficava na lateral e ele na linha do lance livre; aí, tinha algum sinalzinho e eu jogava pra ele perto do aro e ele enterrava. Não era sempre porque os adversários ficavam prevenidos, mas algumas vezes a gente fazia”, conta o craque, explicando como fazia a “ponte aérea” com o pivô da seleção.


A analogia feita por Wlamir Marques no começo desde texto se explica. Quando decidiu pular o muro de sua casa para brincar de basquete, seu destino mudou. O esporte entrou em sua vida, tornou-se um companheiro inseparável e nunca mais o deixou. Exatamente como ele nunca mais deixou, em sua mente, a pacata quadra do clube vicentino onde tudo começou.

Fotos: Reprodução e divulgação/ CBB

Amaury Pasos: o Michael Jordan brasileiro

Por Guilherme Uchoa

Wlamir e Amaury foram verdadeiros divisores de água para o basquete tupiniquim. Ambos revolucionaram a forma de jogar a modalidade no País. Por nunca termos um grupo muito alto de jogadores, era preciso apostar na elasticidade, velocidade e qualidade técnica, características fundamentais dessa dupla para superar os ‘gigantes’ norte-americanos e soviéticos, reis do esporte da “bola laranja” naqueles anos.

Amaury destacava-se pela versatilidade
Os dois saíam muito do chão, eram flexíveis e capazes de fazer movimentos no ar que pouquíssimos jogadores no mundo conseguiam. Tudo fruto de seu livre trânsito por diversos outros esportes. Tanto Amaury Pasos quanto Wlamir Marques levavam jeito em outras modalidades,  o que lhes valeu uma formação em termos de habilidade e movimentação pouco comum no basquete.

 Em sua infância, Amaury Pasos praticou natação - que lhe deu força nos membros superiores -, salto em distância, que lhe fortaleceu os membros inferiores, e vôlei, que contribuiu para a potência de salto.  Nessa modalidade, o sucesso de Amaury foi tanto que lhe valeu convite para defender a seleção brasileira nas Olimpíadas de Tóquio, em 1964.

Os tempos, agora, são outros, mas Amaury Pasos mantém uma vida de vitórias. Ele atende nossa reportagem em seu confortável apartamento no Jardim Paulista após mais um dia de trabalho em sua empresa de peças de roupas femininas, herdada de seu pai, e que conta atualmente com aproximadamente trezentas funcionárias.

Durante quase duas horas, o ídolo recorda sua carreira e conquistas no basquete. Mas é apresentando os diversos troféus de golfe de sua coleção, posicionados sobre uma das mesas da aconchegante sala de estar, que comprova ainda manter a versatilidade que o consagrou nas quadras.

Porém, o começo de tudo tem início em 1941. Com apenas seis anos, o garoto Amaury, brasileiro de nascimento, viu-se obrigado a rumar com seus pais para a Argentina com o objetivo de ficarem próximos da família de sua mãe, em grave estado de saúde. Pouco menos de um ano após a mudança, a genitora de Pasos viria a falecer, mas o menino permaneceu em Buenos Aires, tendo toda sua formação no país, até os 16 anos. Por estudar em um colégio interno, em uma cidade próxima da capital argentina, Amaury passava todas as suas tardes praticando esportes. Começou na natação, dando preferência pelas provas de 50, 100, 200 e 400 metros livres.

Mas a principal diversão do garoto brasileiro de Buenos Aires não estava na água. Por considerar os treinos nas piscinas muito chatos e repetitivos, fugia para jogar basquete com adultos. Detalhe: Amaury tinha menos de 14 anos quando começou a enfrentar homens muito mais velhos.

Retornando ao Brasil, já com 17 anos, o adolescente passou a frequentar o Clube de Regatas Tietê, de São Paulo, que seu pai Antonio Pasos havia conhecido. Ali começou a praticar vôlei na equipe juvenil da agremiação, chegando a ser campeão paulista.

Entretanto, o técnico da equipe de basquete do clube, Oscar Guaranha, fez questão de trazê-lo de volta ao esporte da “bola laranja”, que havia ficado para trás nas quadras argentinas entre homenzarrões e o então adolescente Amaury. O técnico do Tietê foi além: acompanhava-o em treinos de dribles e controle de bola, pouco se importando com os ponteiros do relógio. A prática não raramente só terminava à meia- noite.

Com a aprendizagem obtida, o desenvolvimento foi rápido e o jovem Amaury pulou dos aspirantes para a equipe principal do Tietê. E dali abriu caminho para o escrete canarinho. Em 1954, ano do segundo campeonato Mundial de basquete, no Rio de Janeiro, Amâncio, então técnico do Palmeiras, indicou Amaury para o comandante da seleção nacional Togo Renan Soares, o Kanela, para substituir outro atleta – impossibilitado de atender à convocação - no grupo de 30 jogadores que iniciariam os preparativos para o torneio.

Logo de cara, Pasos agradou o rigoroso técnico do Brasil, mantendo-se no elenco mesmo após diversos cortes. Segundo Amaury, Kanela confessou anos mais tarde que desde o primeiro treino já havia decidido que ele seria titular durante o torneio.

Amaury em ação pela seleção brasileira
E foi justamente no momento em que se deparou com a titularidade nacional que o garoto Amaury passou a levar sua carreira a sério. Até então, confessa, não tinha noção de onde poderia chegar e inclusive intitulou-se como “filhinho de papai”, já que, ao contrário da maioria dos jogadores, não trabalhava.

Nos anos que se seguiram, o garoto de formação argentina nunca deixou de fazer parte do quinteto inicial. Ao lado do parceiro Wlamir Marques, participou de quatro mundiais, sempre ficando no pódio (dois títulos, um vice e um terceiro lugar), e três Jogos Olímpicos, sendo duas vezes medalha de bronze, até deixar a seleção em 1967.

Em todas as competições em que entrava, o entrosamento da dupla era sempre a principal arma brasileira. “Eu conhecia bem o Wlamir e já sabia quais eram suas atitudes em determinadas circunstâncias. Às vezes, eu passava a bola sem ver, e o cara estava lá. Não era que eu soubesse que ele estava lá, eu sentia”, recorda.

O trabalho em equipe, mesmo depois de todos esses anos, ainda permanece. Quando perguntado quem da dupla era melhor, a resposta está na ponta da língua de Amaury: “até hoje eu tenho um convênio com ele. Quando perguntam para ele quem foi melhor, ele diz que fui eu. E se perguntam para mim, digo que foi ele”, revela. 

E mesmo os especialistas do basquete têm dificuldade em apontar qual dos dois gigantes era o de maior destaque. O que importa eram as qualidades de cada um. No caso de Amaury, a versatilidade, elasticidade e inteligência. Era eficiente em todas as posições em que jogava.

Começou como pivô, ainda no Mundial de 1954, atuou nas alas e fixou-se na armação, que afirma ter sido sua posição preferida.

A quantidade de prêmios individuais com que foi agraciado durante e depois de encerrada a carreira são prova dessa versatilidade. Amaury Pasos foi eleito o melhor jogador nos mundiais de 59 (atuando como pivô) e 63 (já como armador), escolhido o 13º melhor esportista em uma pesquisa na Europa na década de 60, à frente de Pelé, e, já em 2009, entrou para o Hall da Fama da FIBA (Federação Internacional de Basquete), ao lado do norte-americano Bill Russel, um de seus ídolos e maiores nomes do basquete dos Estados Unidos.

Em 1960, logo após a campanha do bronze nos Jogos de Roma, ele recebeu proposta de um assistente técnico dos Estados Unidos para jogar na América do Norte, sem nem ao menos passar pelos ‘tryouts’, período de treinamentos, que costumavam impor como teste. O ex-armador recusou a proposta já que estava a poucos meses de se casar.

Além disso, Amaury lembra que, caso jogasse profissionalmente em solos norte-americanos pela NBA, não poderia defender o Brasil na Olimpíada seguinte, em 1964. Uma decisão que certamente teria mudado o rumo da história verde e amarela naquela competição.

Quem melhor resume o que Amaury Pasos representou para o basquete nacional é o ex-pivô Antônio Sucar: “Amaury foi o jogador que vi jogar, que mais lembrava Michael Jordan”, diz, citando a maior estrela da história do basquete mundial.

Anos depois, Amaury decidiu-se pela aposentadoria, mas continuou ligado ao esporte. Por ser formado em Educação Física e diplomado em todos os esportes que praticou na infância (basquete, vôlei, natação e atletismo), atuou dois anos como técnico do Monte Líbano e recebeu convite para comandar a seleção brasileira - que foi recusado após desentendimento com Renato Brito Cunha, auxiliar de Kanela nas principais conquistas brasileiras.

Mesmo optando por comandar a empresa da família, Amaury faz questão de manter contato com seus antigos companheiros. Em 2009, por razão dos 50 anos da conquista do primeiro título mundial, em 1959, realizou uma comemoração entre os jogadores em um sofisticado restaurante paulista. Para este ano, pretende repetir a celebração, desta vez em lembrança ao meio século do bi mundial erguido no Rio de Janeiro.

Tais iniciativas só poderiam mesmo partir desse gigante do basquete brasileiro. Amaury Pasos sempre foi um jogador completo, diferenciado e responsável por tomar a frente nas partidas. A mania persiste até os dias de hoje, afinal, líder nas quadras, líder fora delas também.

Fotos: Divulgação/ CBB

Em quadra, as estrelas. Fora, o comando de rédeas curtas

Por Guilherme Uchoa

Um técnico rigoroso, autoritário, respeitado e que sabia, mais do que tática ou esquemas de jogo, motivar e tirar o melhor de cada atleta em quadra. Vencedor não só no basquete, mas em outras modalidades. Por fim, um treinador que ainda se dava ao luxo de levar algumas de suas contestadas “crias” cariocas para as competições internacionais.
Kanela durante comemoração do bimundial

Esse é o retrato de Togo Renan Soares, o Kanela, comandante da seleção brasileira de basquete em seu período mais vitorioso, e um dos principais responsáveis pela conquista do bicampeonato mundial de 1963. Caso ainda estivesse vivo, o treinador – nascido em João Pessoa, em 1906 - comemoraria mais um aniversário nesta quarta-feira (22).

As facetas de Kanela variavam. Para alguns jogadores, era simpático e brincava. Fazia elogios pomposos. A outros, era indiferente, conversava pouco e, quando falava, geralmente era para criticar. 

“O Kanela”, segundo lembra o ex-pivô Luiz Cláudio Menon, “era um técnico que motivava quem ele queria. Era extremamente esperto e tinha uma visão de quadra como poucos”, conta.

“No convívio, ele percebia que alguns atletas precisavam de bajulação para render; então, ele chegava perto do cara, dava um peteleco e dizia ‘Piiim, você está um cristal puro! O maior arremesso da América do Sul!’”, recorda Menon. “Havia outros que se motivavam por um tranco; então, ele falava ‘ploft. Você está uma bosta! Não sai do chão, não arremessa, não marca, não faz porra nenhuma! ’”, relembra, aos risos.

Cada um dos dois tipos de atleta respondia com produção. Os que precisassem de bajulação, ficavam empolgados. Enquanto os outros ficavam irritados com as provocações e jogavam com mais empenho, como que para provar seu valor a Kanela.

A parte técnica e tática das partidas, Togo Renan deixava a cargo de assistentes que levava consigo para os campeonatos. Entre eles, Renato Brito Cunha e Moacyr Daiuto foram os mais requisitados. A sua parte era de motivação, de ‘tirar leite de pedra’.

Durante os períodos de treinamento para as principais competições, também tinha seus métodos para preparação da equipe. Era comum colocar os selecionáveis em regime de internato em locais isolados, como a Ilha das Enxadas ou o hotel Paineiras, no Rio de Janeiro. Nestes períodos, treinavam duas vezes ao dia e tinham suas saídas controladas pelo comandante.

Além disso, Kanela não demorava em decidir seus titulares. Na verdade, mesmo durante longos períodos de preparação, o paraibano já escolhia desde o princípio qual seria seu quinteto titular. Mesmo durante as partidas, fazia poucas alterações, usando no máximo oito dos 12 jogadores disponíveis.

A definição do time titular com tanta antecedência, de acordo com os seus ex-comandados, não afetava o ambiente da seleção. Todos sabiam que, apesar de convocar alguns jogadores contestáveis, sempre colocava em quadra o que o País tinha de melhor.

Da esquadra principal do Brasil, duas vagas estavam sempre garantidas, já que o rigoroso treinador tinha em Amaury Pasos e Wlamir Marques os pilares fundamentais de seus elencos. Dentre os jogadores, apenas a dupla tinha autonomia para tentar em quadra jogadas diferentes das combinadas por Kanela fora dela.

Também não era raro ver o técnico brigando e discutindo com arbitragem. Em um dos momentos mais importantes do basquete nacional – a partida do Mundial de 63, ante a União Soviética, como lembra Menon, Kanela chegou a agredir o juiz.

Tudo, porém, orquestrado. “No Mundial de 63, contra os norte-americanos, ele foi expulso porque o juiz apitou qualquer coisa, ele entrou em quadra e deu lhe um soco”, conta. “Mas ele fazia isso de propósito, estava programado, porque assim o jogo era paralisado, dava uma confusão e a torcida inflamava. Começava a aumentar a pressão em cima do juiz”, explica o pivô, que jogou em três partidas da campanha do bi mundial.

Como Kanela comandava o Flamengo, no Rio de Janeiro, e os grandes nomes do esporte estavam concentrados em clubes paulistas, não era raro o técnico levar alguns de seus jogadores do Rio para as competições. “Ele geralmente levava uns dois ‘peixinhos’ dele, por último, do Flamengo”, ressalta Antônio Sucar, também integrante da geração dourada.

O ex-ala Jatyr Schall faz coro a seu colega. “O Kanela levava outros em detrimento de alguns. 80% dos jogadores eram merecedores e 20% tinham alguma coisa para que fossem levados. Ou porque eram do clube dele, ou porque eram indicados”, revela.

O ex-armador Mosquito vai além: dá nome aos bois. Segundo ele, Zezinho e Fernando Brobró não mereceriam estar entre os tops 12 do País, mas eram convocados com frequência pela afinidade que tinham com Togo Renan. Um dia o Kanela disse que eu seria cortado porque ‘entre dois paulistas e dois cariocas, prefiro os dois cariocas que eu conheço’”, conta.

Outro jogador que atuava no Rio, o Paulista (que era assim chamado justamente por ser de São Paulo e jogar na Cidade Maravilhosa), também era chamado com frequência pelo técnico, mesmo com os convocados de São Paulo tirando sarro dele. Menon, inclusive, conta em tom de gozação que ele só foi para o Mundial de 1963 para carregar as bolas de basquete da equipe.

Apesar das maneiras distintas de agir com cada atleta e das rixas que às vezes criava, o treinador – decacampeão carioca pelo Flamengo – era sempre respeitado por seus atletas. “Jogávamos para satisfazer o Kanela. Não jogávamos por nos próprios ou para o público, era pro Kanela. Ele fazia isso com o jogador: fazíamos questão de provar para ele que éramos bons”, conta Amaury Pasos.

Seus métodos de comando estiveram presentes em outros esportes. Foi diversas vezes campeão amador de futebol e treinou equipes de polo aquático, ambos pelo Botafogo. Entre seus pupilos do polo estava João Havelange, que anos mais tarde viria a se tornar presidente da FIFA, órgão máximo do futebol mundial. No esporte da “bola laranja”, além da seleção brasileira, comandou o Flamengo e o time das Forças Aéreas nacional.


Pela seleção canarinha de basquete, Togo Renan Soares, que recebeu a alcunha de “Kanela” em razão das canelas finas, participou de 103 partidas em 14 competições oficiais. Deste total, venceu 87 e perdeu apenas 16, que lhe rendeu um aproveitamento de 84,4% de resultados positivos.

Foto: divulgação/ CBB

sábado, 25 de maio de 2013

Vice nunca mais. Bayern derruba sina e conquista a Champions

Por Guilherme Uchoa

O Bayern de Munique bateu duas vezes na trave. Na temporada 2009-2010, para os italianos do Internazionale, por 2x0, e na edição de 2011-2012, em uma traumática derrota nos pênaltis para os ingleses do Chelsea, depois de sofrer o gol de empate aos 43 minutos do segundo tempo, na partida que terminou 1x1 e foi disputada na Allianz Arena, casa do Bayern. Caso deixasse mais uma vez a “orelhuda” escapar, entraria negativamente para a história da UEFA como primeiro clube a ficar três vezes com o vice.

Como de costume, Neuer fechou o gol do Bayern sendo peça chave do título
Entretanto, os comandados de Jupp Heynches, que já está com aposentadoria marcada para o final da atual temporada e tem o treinador espanhol Pep Guardiola definido como seu substituto, não deixaram que tal marca fosse atingida. Na primeira final alemã da história das Ligas dos Campeões, O Bayern levou a melhor sobre o Borussia Dortmund, conquistando a taça mais almejada da Europa pela quinta vez em sua trajetória, após vitória por 2x1 no lendário estádio de Wembley, na Inglaterra. O gol do título foi feito pelo meia Robben, já aos 44 minutos da segunda etapa, que havia ficado marcado como vilão do jogo contra o Chelsea ao desperdiçar um pênalti na prorrogação.

O título serve para coroar uma temporada que tem tudo para ser perfeita para os torcedores de Munique: campeão alemão com incríveis 25 pontos de vantagem sobre o segundo colocado (o próprio Borussia), campeão europeu, e finalista da Copa da Alemanha, com decisão agendada para o próximo final de semana, ante Stuttgart. Além disso, o fato de a decisão da Champions League ter sido disputada entre dois times da Alemanha reforça o bom momento vivido pelo país, um dos favoritas para a Copa Do Mundo do próximo ano, no Brasil.

A polêmica de Gotze

O Borussia Dortmund bem que tentou, fez uma partida equilibrada contra o adversário que era considerado favorito e até chegou a dominar as ações em boa parte da primeira etapa. Mas seu jovem e inexperiente elenco não conseguiu derrubar a rodada e fortalecida equipe bávara. Além disso, pesou o desfalque, confirmado as vésperas, de seu principal jogador, Mario Gotze, por contusão. O meia, uma das principais revelações do futebol alemão, foi um dos protagonistas da decisão, mesmo sem entrar em campo.

Tudo porque, ainda durante a disputa da fase semifinal do torneio, vazou a informação de que o Bayern de Munique (que enfrentou e eliminou o Barcelona) já teria contratado o jovem de 20 anos, que defendia a equipe aurinegra na outra semifinal, diante do Real Madrid. A polêmica tomou proporções maiores quando ficou confirmado o duelo alemão entre o atual e o futuro clube de Gotze, e atingiu o ápice quando foi anunciada a ausência do craque no duelo.

O jogo

Sem poder contar com seu camisa 10, o Borussia pressionou a saída de bola do adversário desde os primeiros minutos de partida, obrigando o Bayern a rifar a bola com chutões e devolver a posse de bola para os comandados de Jurgen Klopp. Até por isso, as primeiras boas oportunidades de gol surgiram dos pés de jogadores de Dortmund. Lewandowski aos 13 minutos, Blaszczykowski aos 14, Reus aos 18 e Bender aos 21 tentaram, mas pararam nas boas defesas de Neuer.

A partir de então o Bayern acordou para o jogo e levou perigo nas jogadas aéreas, primeiro com Mandzukic, aos 25 minutos, e em seguida com Martinéz na cobrança de escanteio. Robben também perdeu duas boas chances aos 29 e 42 minutos, em boas defesas de Weidenfeller.

Assim terminou a primeira etapa de jogo, com o Borussia Dortmund ligeiramente melhor e com os goleiros sendo os destaques.

Segundo tempo com gols em Wembley
Assim como Neuer, Weidenfeller fez defesas incríveis

A segunda metade do jogo prosseguiu com boas chances desperdiçadas pelas duas equipes, até que o Bayern tirou o zero do placar em jogada criada pela lateral esquerda. Mesmo cercado por três adversários, o meia Ribery conseguiu enfiar a bola para Robben que, já na linha de fundo, cruzou para Mandzukic apenas empurrar para as redes.

O gol parecia ter dado tranquilidade para o lado vermelho do campo, entretanto, apenas cinco minutos após abrir o marcador, o zagueiro brasileiro Dante errou o tempo de bola dentro da área e acertou uma joelhada em Reus. O pênalti foi convertido por Gündogan e despertou o temor do torcedor do Bayern de outro revés em finais de Champions.

Só que dessa vez, ao contrário da decisão da temporada anterior, foi o Bayern de Munique que marcou no finalzinho do jogo. Após algumas boas chances criadas pelos dois lados, contando inclusive com uma bola salvada por Subotic em cima da linha da meta amarela e preta, Robben aproveitou indecisão da defesa do Borussia após longo lançamento do campo de defesa para, aos 44 minutos, finalmente marcar o seu gol, tocando na saída de Weidenfeller e garantindo o título. O gol teve um sabor especial de redenção para Arjen Robben, que colocou um ponto  final na sina que carregava de amarelar em momentos decisivos e perder chances incríveis.


A conquista credencia ainda mais o Bayern de Munique como postulante a assumir a vaga deixada pelo Barcelona como melhor equipe do mundo na atualidade. Esperando ainda a chegada de Pep Guardiola e de Mario Gotze, as expectativas para a próxima temporada é de prosseguir com o domínio em solos alemães e repetir a dose em âmbito europeu. Já para o Borussia Dortmund fica adiado o sonho de levantar pela segunda vez a taça mais desejada do futebol entre clubes. 

O time bávaro ergueu a "orelhuda" pela quinta vez em sua história 

Notas:

Borussia Dortmund 

Weidenfeller – Principal jogador do Borussia, fez defesas incríveis, especialmente no primeiro tempo. 8

Piszcek – Apagado na partida, fez o mínimo. 5

Subotic – Salvou em cima da linha um gol praticamente certo do Bayern e foi seguro em quase toda a partida. Falhou, como toda a defesa do Borussia, no gol de Robben. 6

Hummels – Apesar da segurança que sempre passa ao setor defensivo, mostrou indecisão no lance que determinou a vitória do Bayern 5,5

Schmelzer – Outro que não teve destaque na partida. Atuação apenas mediana. 5

Bender – Criou uma boa chance no primeiro tempo, mas ficou somente nisso. 5

(Sahin) – Mais um que pouco fez em campo. 5

Gündogan – Principal meia do Borussia. Marcou o gol de pênalti e participou da maioria dos lances de seu time. 7,5

Blaszczykowski – Apagado, rendeu muito abaixo do que esta acostumado. 5,5

(Schieber) – Entrou no finalzinho para tentar o gol salvador e até arriscou um chute, sem êxito. 5,5

Reus – Participou de bons lances e quase marcou um gol no primeiro tempo. 7

Grosskreutz – Participou de apenas uma chance de gol e só. 5,5

Lewandowski – Perigoso como sempre, mas desperdiçou pelo menos duas chances claras de gol. 5,5

Bayern de Munique 
Arjen Robben foi o destaque da decisão, com um gol e uma assistência

Neuer  - A exemplo de Weidenfeller, foi um dos  grandes nomes da partida, realizando defesas de alto nível. 8

Lahm – apoio menos o ataque do que esta acostumado. Permaneceu mais na defesa e foi seguro. 6

Boateng – Muito esforço e dedicação para auxiliar a defesa do Bayern. 6

Dante – Quase se tornou vilão do jogo ao cometer pênalti que garantiu o empate do Borussia, mas foi salvo pelo gol de Robben, já no finzinho da partida. 5

Alaba – Pouco participativo na partida. Apenas mediano. 5,5

Martinez – Participativo no primeiro tempo, quando quase deixou o seu gol, caiu de rendimento na etapa complementar. 5,5

Schweinsteiger  - Motor da equipe alemão, o meia foi incansável e correu durante toda a partida. 7,5

Robben – Foi o nome do jogo. Deu uma assistência e marcou o gol do título. 8,5

Müller – Muito apagado em campo, não levou perigo. 4,5

Ribery – Outro que correu durante toda a partida e levou muito perigo a meta do Borussia em suas descidas em velocidade pelas laterais do campo. Participou do lance do primeiro gol.

(Luiz Gustavo) – O brasileiro entrou no final da partida para trancar ainda mais a defesa. Pouco tocou na bola. S/N

Mandzukic  - Fez seu papel. Estava no lugar certo e na hora certa, para empurrar pra rede a assistência de Robben. 7,5

(Mario Gómez) – Só entrou para participar da festa. S/N 


Fotos: Agencia AFP, Adrian Dennis/ AFP e Adrian Dennis/ AFP, e Reuters.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Resenhas do Uchoa publica série especial em celebração aos 50 anos do maior título do basquete brasileiro

 Amaury, um dos craques da geração de ouro do Brasil

Em parceria com o portal Basketeria.com.br, o Blog Resenhas do Uchoa publica neste sábado (25) e domingo (26) uma série especial de matérias em comemoração aos 50 anos do bicampeonato mundial de basquete conquistado pelo Brasil em 25 de maio de 1963, após final histórica contra a poderosa seleção dos Estados Unidos, no ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro.


O primeiro texto da série será sobre o técnico Kanela, líder de uma geração responsável por trazer ao Brasil dois títulos mundiais e duas medalhas olímpicas. Em seguida, o leitor-torcedor do blog terá acesso ao perfil dos dois principais pilares desta geração, responsáveis diretos pela incrível conquista de 63: Wlamir Marques e Amaury Pasos.

Por fim, o blog apresentará uma crônica especial contando como foi a caminhada do Brasil até conquistar pela segunda vez o título de melhor do mundo no esporte da bola laranja. Os textos, escritos pelo autor deste blog, poderão ser lidos no sábado no site basketeria.com.br, e a partir de domingo estão disponíveis neste portal.