domingo, 18 de dezembro de 2011

Aprende, Brasil

O que vimos nesta manhã de domingo não foi uma partida de futebol. Foi um jogo de um time só, visto que apenas o Barcelona entrou em campo no Nissan Stadium, em Yokohama, no Japão. Mais do que isso, foi um verdadeiro massacre. O Santos perdeu para uma equipe calejada, ou seja, uma equipe que de tanto apanhar, aprendeu a bater.


O jogo disputado entre Santos e Barcelona, valendo o título de campeão mundial, não deveria interessar apenas aos dois clubes que estavam na disputa do título. Deveria interessar, ao menos, a todos os brasileiros – independentes de qual seja seu clube de preferência. A derrota por 4x0 da equipe santista foi um alerta ao futebol brasileiro.

O nível que o Barcelona atingiu nos dias de hoje não vem de outro mundo, como muitos parecem acreditar. Vem de uma filosofia adquirida pelo clube e por toda a Catalunha a mais de três décadas. Mesmo após as derrotas, após os títulos perdidos, o clube persistiu em seu trabalho nas categorias de base, persistiu com seu desejo de ter sempre a bola em seus pés e, aos poucos, as derrotas se tornaram em vitórias.

O clube que antes precisava contratar Cruyff, Maradona, Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaucho, estrelas de outros países, para alçar vôos maiores, hoje pode se orgulhar de ter seus ídolos criados em casa, na cantera de Masía. Até mesmo Messi, que como todos sabem, é argentino, foi fruto do trabalho realizado com ele em Masía desde os 13 anos.


Por esse e outros motivos é que a frase "Més que un club" disposta nas fileiras do Camp Nou - que outrora faziam referencia aos auxílios prestado pela instituição Barcelona na luta do povo catalão contra a ditadura de Francisco Franco - servem para mostrar a situação atual do time: um time que parece ser muito mais que um clube, algo muito a frente de seus oponentes.

Esta deve ser a lição aprendida pelo futebol brasileiro e seus dirigentes. Com a soberba das cinco estrelas que carregamos no peito, deixamos de lado preceitos simples - porém indispensáveis - em nossas categorias de base: o toque de bola com qualidade, a movimentação em campo sem a bola nos pés, a capacidade de finalizar com as duas pernas com igual qualidade e potência e a valorização da posse de bola, entre outras coisas. Tudo isso parece ser indispensável para formar bons jogadores de futebol, mas foram esquecidas por quase todos os clubes no país.

Já para o Santos, fica a tristeza da derrota, mas, ao mesmo tempo, a certeza de que esta seguindo o caminho correto. O futebol alegre e encantador que apresentou em 2002 com Robinho e Diego têm vez no esporte. O investimento que o peixe faz nas categorias de base rende bons jogadores a cada ano e o trabalho realizado pela diretoria de Luis Álvaro em segurar Neymar mostra ao resto do Brasil que existem alternativas para o assédio sofrido por clubes europeus.


O que o Santos fez na última década pode ser comparado ao que o Barcelona vem fazendo por tantos anos. O investimento nos jogadores da casa e a capacidade de manter suas estrelas por mais tempo no clube criam um entrosamento que passa de temporada para temporada. Criam uma identificação, uma marca para o clube. Hoje não há ninguém no Brasil que não associa o Santos a futebol jovem, encantador, alegre e ofensivo. Esta é a marca adquirida pelo clube por sua forma de jogar ao longo de muitos anos.

O peixe se tornou referência nacional e continental com essa filosofia. Esta muito longe, mas caminha para chegar aonde o Barcelona chegou.

Para o bem do futebol brasileiro e de nossa seleção, seria melhor começar a seguir os mesmos passos. Caso contrário, os vexames passados em 2006, na Alemanha, e 2010, na África do Sul, ganharão a companhia de 2014, no Brasil.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A sofrida vaga olímpica

Teve fim na manha do último domingo, dia 4, a Copa do Mundo masculina de vôlei. A seleção brasileira ficou aquém do que poderíamos imaginar, ficando com o terceiro lugar.
Entretanto, o objetivo principal foi alcançado: a vaga para as Olimpíadas de Londres de 2012 esteve próxima de ser perdida para a Itália, porém o Brasil conseguiu assegurar a terceira posição, última que dava direito a Londres, apenas na última rodada, contra o Japão.


O torneio realizado a cada quatro anos- sempre com sede no Japão- serviu para afirmar o momento de renovação da seleção brasileira.

Com muitos jogadores jovens entre seus titulares mais freqüentes (Leandro Vissotto, Lucão, Bruninho, Théo, entre outros) era de se imaginar que o time alternasse bons e maus momentos na competição. Apesar de estes jovens estarem atuando entre diversos jogadores consagrados de nosso país, como Giba, Serginho e Murilo (sem contar o ponteiro Dante, que perdeu grande parte da competição por estar lesionado), a equipe não fugia de certos momentos de ‘apagão’ em quadra.

Isto ficou claro quando vimos os comandados de Bernadinho ganhando de forma avassaladora da Rússia, que viria a ser a campeã do torneio, por 3x0, e Estados Unidos, por 3x1; enquanto que perdia para Itália, Cuba e Sérvia (3x2, 3x2 e 3x1, respectivamente). Além disso, o Brasil ainda perdeu ponto fácil ao ganhar da China pelo placar apertado de 3x2, visto que na Copa do Mundo, vitórias por 3x0 e 3x1 valem três pontos, enquanto que vitórias por 3x2 valem apenas dois pontos.

Mesmo com esses tropeços, nossa seleção demonstrou poder de reação e capacidade de superar dificuldades durante o andamento das competições. Após perder os três jogos já citados, o Brasil encontrava-se em situação delicada, deixando escapar sua vaga para os Jogos Olímpicos. Mesmo assim, soube assimilar o momento ruim que passava e conquistou três vitórias nos últimos três jogos, garantindo a terceira posição somente nos critérios de desempate.

O momento que mais simboliza a superação brasileira foi na suada vitória ante a surpreendente Polônia. Os poloneses – que terminaram o torneio com a segunda colocação- venciam uma apática seleção brasileira por 2x0. Já no terceiro set, chegaram a abrir 13x9, deixando sua vitória praticamente consolidada.

A chave para a reação esteve nas mãos do levantador Bruninho. Habituado a entrar em jogo apenas quando realizadas as ‘inversões’ (saia o levantador Marlon e o oposto Vissotto para a entrada do levantador Bruninho e o oposto Théo, geralmente com o objetivo de deixar a rede brasileira mais alta), o filho do técnico Bernadinho, de 24 anos, entrou inspirado e foi a peça-chave para virar os 13x9 para 13x14 em prol do Brasil.

A partir desta reação no terceiro set o Brasil acordou para o jogo e virou a partida quase perdida para um emocionante 3x2.

Com os ânimos renovados após vencer a Polônia, não seriam os anfitriões japoneses os responsáveis pela perda da vaga a Londres, na última partida. O Brasil venceu por 3 sets a zero e superou a Itália apenas no segundo critério de desempate. Após as 11 partidas da Copa, brasileiros e Italianos figuravam com os mesmos 24 pontos e oito vitórias. A terceira posição, portanto, ficou com a equipe de melhor média de sets. Nossa seleção venceu 29 sets e perdeu 14, atingindo a média de 2,07. Já a Itália venceu 28 sets e perdeu 15, obtendo média de 1,86.


Nosso vôlei ainda terá algo em torno de oito meses antes da estréia olímpica na capital inglesa, onde terá a chance de comprovar a qualidade de sua renovação. Cabe a Bernadinho, com currículo abrilhantado pelas medalhas de ouro que acumula, a responsabilidade de guiar essa nova seleção que se configura. Após 10 anos de hegemonia – de 2001 até hoje são três campeonatos mundiais, oito títulos de Liga Mundial, duas Copas do Mundo e um ouro e uma prata nas Olimpíadas de Atenas 2004 e Pequim 2008, além das diversas medalhas em Pan-Americanos, Sul-Americanas e Copa dos Campeões- a permanência no topo se torna mais desafiadora.

Que comece a segunda década dourada para o Brasil.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O peso dos gols de Fabuloso e Imperador

Futebol é aquele tipo de esporte que podemos passar anos a fio estudando e buscando traçar alguma lógica que, mesmo assim, jamais conseguiremos obter algum resultado satisfatório. Alguma fórmula para o sucesso, por exemplo.

Um exemplo desta falta de lógica do esporte foi o retorno, ainda no começo da temporada, de duas estrelas a clubes brasileiros. Luis Fabiano e Adriano foram as principais contratações de seus clubes no início de 2011, e expandiram a lista de jogadores brasileiros na Europa que decidiram regressar ao Brasil. Desde então a temporada de 2011 foi marcado por semelhanças (que vão muito além do fato de serem atacantes que já serviram a seleção brasileira), diferenças e ironias entre estes dois atletas.

Luis Fabiano foi contratado pelo São Paulo no dia 11 de março. O tricolor paulista desembolsou 7,6 milhões de euros pelo atacante que estava no Sevilla, da Espanha. O valor é o maior já pago pelo São Paulo por um jogador. Sua apresentação aconteceu em um Morumbi ocupado por 45 mil torcedores e a previsão de estréia era de, no máximo, dois meses.

Entretanto, dores no joelho direito adiavam partida após partida sua reestréia pelo clube. A fibrose detectada fez com que o atacante optasse por cirurgia, realizada em maio. Após a raspagem desta ‘casca’ interna, que impedia a realização normal de diversos movimentos, foi iniciado o processo de cicatrização do local.

Porém esta etapa não foi concluída já que os médicos do clube notaram um problema de cicatrização da área operada.

Com isso, Luis Fabiano passou por sua segunda cirurgia, desta vez uma cirurgia plástica para corrigir a cicatrização do joelho direito. Com todos estes problemas, o Fabuloso só conseguiu estrear no dia 2 de outubro, contra o Flamengo, quase sete meses após sua contratação. Neste período ele passou pelas mãos de Carpegiane, quando não conseguiu jogar, Adilson Batista, quando chegou a atuar, mas não marcou, e Leão, quando finalmente voltou a fazer gols.

Adriano também passou seis meses de preparação antes que pudesse ser utilizado em campo. O Imperador foi apresentado no dia 31 de março sem pompa e sem festa, como aconteceu com seu ex-companheiro de seleção no São Paulo. O Corinthians trouxe o atacante depois de ele ser dispensado pela Roma, após fracassada passagem do jogador pelo clube italiano. Lá ele só foi capaz de fazer um gol em amistoso realizado entre sua equipe e um combinado da região de Riscone Brunico, vencido por 13 a 0.

Em péssima fase da carreira, fora de forma e em recuperação de cirurgia no ombro direito, Adriano ainda rompeu o tendão do pé esquerdo durante treinamento no Corinthians, passando assim mais tempo no departamento médico do clube do que em campo treinando com seus companheiros.

Sua estréia ocorreu uma semana após Luis, no dia 9 de outubro na vitoria por 3 a 0 sobre o Atlético-GO. O atacante jogou apenas alguns minutos e estava visivelmente fora de sua forma física ideal.

Depois de suas estréias, os atacantes seguiram caminhos distintos no decorrer da temporada. Pelo São Paulo, Luis Fabiano chegou a perder pênalti no empate em 3 a 3 de sua equipe com o Cruzeiro. Mesmo assim, conseguiu desencantar no primeiro jogo contra o time do Libertad, do Paraguai, pela Sul americana. Sua vida, entretanto, não melhorou muito. No jogo de volta, no Paraguai, Fabuloso cometeu pênalti, que resultou no primeiro gol do adversário, e saiu de campo contundido, na derrota - e conseqüente eliminação do torneio- por 2 a 0.

Até o último jogo do São Paulo no ano, contra o Santos, Luis Fabiano jogou 11 vezes, melhorou gradativamente seu nível de atuação e atingiu a marca de oito gols. Entretanto, ele não foi capaz de fazer com que seu clube tivesse motivos para comemorar: foi eliminado do único torneio internacional que disputava e não conquistou vaga para a Libertadores de 2012.

Já Adriano atuou poucos minutos em apenas quatro partidas até o final da temporada, ainda em péssima forma física. Fez um único gol.

A grande ironia desta comparação entre os dois artilheiros é de que este único gol de Adriano foi muito mais importante para o Corinthians do que os oito gols de Luis Fabiano foram para o São Paulo.
O time do Parque São Jorge fazia jogo duro contra o desesperado Atlético-MG, perdendo por 1 a 0. A derrota parcial para o galo, somada a vitória do Vasco sobre o Avaí no dia anterior, fazia com que os corinthianos perdessem sua liderança no brasileirão para o time carioca.


Adriano entrou em campo já no final do segundo tempo, quase como medida desesperada do técnico Tite de conseguir ao menos um empate. Aos 32 minutos o Corinthians igualou o marcador com Liédson e aos 43 do segundo tempo o Imperador finalmente deixou sua marca.

547 dias depois de fazer seu último gol em partidas oficiais – na vitoria do Flamengo por 2 a 1 sobre o Universidad do Chile, pelas quartas de final da Libertadores- Adriano decretava a virada do timão sobre o galo, recuperando assim a liderança do campeonato e deixando seu time mais perto do que nunca do penta campeonato brasileiro.

Nas duas rodadas seguintes Adriano não entrou em campo, mas não foi necessário. O Corinthians venceu o Figueirense e empatou com o Palmeiras, confirmando a conquista do Brasileirão 2011.
Os saldos desse primeiro ano de Fabuloso e Imperador no Brasil foram distintos: para Fabuloso, apresentação diante de 45 mil torcedores, oitos gols em 11 jogos e nenhum motivo de alegria para sua torcida. Para Adriano, muita desconfiança, quatro partidas, entrando apenas nos minutos finais, um gol e um título.

É difícil dizer quanto pesa cada gol no futebol. Estatisticamente, o Fabuloso teve um retorno ao Brasil muito mais eficiente do que Adriano. Mesmo assim, tente convencer qualquer corinthiano de que o gol solitário do Imperador não foi mais importante do que todos os gols de Luis Fabiano juntos.

Até mesmo o são paulino mais fanático vai ter que dar o braço a torcer.

domingo, 4 de setembro de 2011

Nadando contra o preconceito


Por Guilherme Uchoa

Dentro d’água é impossível ouvirmos e sermos ouvidos, o que torna a comunicação humana praticamente impossível. Neste ambiente, a melhor forma de se comunicar com outra pessoa é por meio de gestos, sinais e olhares. Talvez seja por isso que Guilherme Maia Kabbach, de 21 anos, tenha adquirido um gosto tão especial pelo ambiente aquático: porque dentro da água todos estão limitados a comunicar-se exatamente como ele.

Fora desse ambiente, sua deficiência auditiva, que o acompanha desde o nascimento, o limita a apenas 2% da audição normal. Mas ele não usa a piscina como meio de igualar-se aos outros. Na verdade, a utiliza como meio de se superar. Salta da plataforma com o corpo em posição anatomicamente perfeita, projetando-se dentro d’água de forma a atravessá-la o mais rápido possível. Depois, com braçadas firmes e poderosas, atravessa os 200 metros de distância de sua prova em um minuto e 56 segundos. Foi assim que conquistou a medalha de prata nos 200 metros livres do Mundial de Natação para Surdos, realizado na cidade de Coimbra, em Portugal, em agosto último.

Ao descrever a conquista, o nadador não economiza palavras sobre o que este momento representou:

— Foi emocionante! Até chorei no pódio. Foi uma grande vitória, pois mostrei a muitas pessoas que o surdo é capaz de ter um papel importante na sociedade.

Guilherme tem uma tatuagem com o primeiro nome da mãe impressa no dorso: Andrea. Existe um forte relacionamento entre eles, o que fica claro quando Guilherme afirma preferir ser chamado de ‘Gui Maia’, justamente para poder carregar o sobrenome de sua mãe. Com 1 ano e dois meses de vida ele iniciou os trabalhos de fonaudiologia. Como resultado, hoje consegue reproduzir algumas palavras do vocabulário de forma compreensível.

Antes disso, Guilherme começou a ter aulas de natação. Com quatro meses, a mãe, com as credenciais de ex-nadadora, campeã paulista e professora de natação, ensinou-o as primeiras braçadas.


Os frutos dessa iniciação tão precoce estão surgindo agora. Além desta medalha, o nadador conquistou mais uma prata e um bronze, totalizando as três primeiras medalhas brasileiras na história da natação surda.

Por si só estas conquistas já colocariam seu nome na história do esporte nacional. Mas ainda é pouco para Guilherme. Às 10h30 de uma quinta-feira de agosto ele chega para mais um dia de treino, na Academia Unique 1, na Vila Mathias, em Santos. Ao chegar lá pergunto ao segurança por onde devo ir para chegar à piscina. Ele pergunta:

— O que você vai fazer lá?

— Vim acompanhar o treino do Guilherme Maia.

Então o segurança diz:

— Ah! O da faixa ali? — e aponta para uma faixa estendida na porta de entrada da academia, parabenizando o jovem nadador por suas três medalhas do mundial.

Guilherme treina na academia por opção própria. Largou o Clube Internacional de Regatas, para seguir o treinador Tiago Faria, que foi demitido do clube após diversos desentendimentos com dirigentes.

Na piscina, Guilherme Maia já esta na água, indo e voltando dentro de sua raia, revezando diversos estilos de nado. O ambiente é tranquilo: três outros nadadores dividem espaço com ele. O treinador passa orientações para os demais atletas presentes e depois se dirige a Maia. Utiliza muitos gestos — quase como um técnico de futebol orientando seu time em campo — e uma fala pausada, para ter certeza de que o medalhista compreendeu quais devem ser os próximos exercícios. Por sua vez, Guilherme permanece tranquilo a borda da piscina, prestando atenção nas orientações técnicas, enquanto bebe um pouco de proteína.

Os dois, treinador e nadador, mostram que se entendem muito bem. Tiago Faria trabalha com Guilherme há seis anos. A intimidade adquirida com a rotina de treinos, viagens e competições faz com que o treinador não se sinta intimidado ao corrigir uma, duas e até três vezes um movimento de ondulação que Guilherme está fazendo errado.

Com o passar do tempo, a piscina passa a ficar cheia com a chegada de mais alunos pagantes da academia. Entretanto, Maia é único que dispõe de uma raia só para si, enquanto os demais dividem as outras. Sua preparação é para o Pan-Americano para Surdos, que ocorrerá em Uberlândia, em novembro. Seu principal objetivo no torneio é a medalha de ouro. Primeiramente, para conquistar a primeira medalha de ouro para o Brasil na natação surda e também para tentar atrair a atenção de alguma empresa que queira patrociná-lo.

— Estou precisando de patrocínio, pois os gastos são altos com suplementos alimentares, equipamentos e viagens. Gostaria de ter uma ajuda da prefeitura. Quem sabe Santos, que já foi a capital do esporte, volte aos pódios com louvor — diz Guilherme por e-mail.

Para se ter noção, ele e a sua família ainda têm de bancar todas as viagens que ele deve fazer para competir. Foi assim em 2009, nas Olimpíadas para Surdos, no Taipei (Taiwan), quando só conseguiram patrocínio a menos de dois dias do início da competição. Também foi assim no Mundial de Coimbra, de onde Guilherme trouxe as três conquistas.

Mas este não é o assunto que mais incomoda o atleta. Sua maior mágoa vem do preconceito:

— Ser chamado de “mudinho” me entristece! Nossa fala apresenta dificuldades, por não ouvimos os sons. Todos nós estamos sujeitos a perder a audição ou termos filhos assim, não é?

Talvez este sofrimento tenha começado em sua época de escola. Quando mais novo, o problema auditivo serviu como barreira para a aprendizagem. Guilherme interagia pouco com os colegas de sala e a professora sempre tinha que se dirigir à sua mesa, a fim de certificar-se de que havia entendido o conteúdo que ela havia acabado de passar para a turma.


Mesmo com essas dificuldades, o tempo passou. E tempo é tudo dentro da natação. Apesar do pouco tempo, Guilherme faz questão de esperar que eu termine de conversar com Tiago para só então ir embora para casa. De tarde, ele volta para a academia onde faz o treino físico, além de conciliar esses esforços com os deveres acadêmicos que o curso de Educação Física exige.

Guilherme Maia não pode perder tempo em sua luta diária. Uma luta contra a falta de apoio a sua modalidade, uma luta contra o tempo nas piscinas, e, principalmente, uma luta contra o preconceito fora delas.


A matéria foi produzida para a revista ' 3x4 ', projeto dos alunos do terceiro ano de Jornalismo da Universidade Santa Cecília.

terça-feira, 14 de junho de 2011

A lição de LeBron e a fidelidade de Nowitzki


Menos de oito minutos por jogar no último quarto de partida. A bola sai das mãos dos jogadores de azul, desenha uma parábola perfeita no ar, e entra certeiramente na cesta adversária, fazendo aquele som que todo jogador de basquete adora escutar.

Do outro lado, a bola sai das mãos esbaforidas dos jogadores de branco, faz uma parábola um pouco que torta e desengonçada, bate no aro e volta a jogo sem computar pontos para sua equipe.

Toda vez que essas duas cenas se repetiam, os dois bancos de reservas das equipes tinham reações diferentes: o banco azul de Dallas Marvericks celebrava, contando até com a presença do dono da equipe, o excêntrico Mark Cuban. Já o banco branco de Miami Heat, acompanhado de toda a sua torcida presente na America Airlines Arena, agonizava com as falhas que faziam o título ficar cada vez mais longe.

O relógio foi impiedoso com o Miami e rapidamente já apontava menos de um minuto para o término da partida. Assim uma reação tornou-se impossível e o Dallas conquistaria a sexta partida da série final por 105 a 95, fechando a série em 4x2 e conquistando o primeiro título da história de sua franquia.

Mais do que isso, os Marvericks vingaram a derrota da temporada 2005-2006, quando perderam o título para o mesmo Miami Heat, comandados à época por Dwayne Wade e Shaquille O’Neal.

Para entender a grandeza desse triunfo é necessário voltar um pouco no tempo, até o início da atual temporada de 2010-2011 da NBA. LeBron James, até então astro maior do Cleveland Cavaliers, acabara de anunciar sua polêmica transferência para o Miami Heat. Aceitando receber menos para trocar de time e jogar em uma equipe com mais chances de ser campeã, LeBron deixou a cidade de Cleveland furiosa.

Em Miami, James formou o que era considerado, por todos nos Estados Unidos, um dos times mais fortes das ultimas décadas. O triunvirato foi composto por LeBron, Dwayne Wade e Chris Bosh.

Mas o começo foi conturbado. O desentrosamento atrapalhou o trio nas primeiras partidas e suas genialidades individuais foram mais do que requisitadas para transpor essa barreira. Depois, com mais entrosamento, o Heat cresceu de produção e se colocou entre os favoritos ao título.


Com isso veio a pós-temporada na qual o trio teve a tarefa de eliminar Philadelphia 76ers, Boston Celtics e o Chicago Bulls, do MVP da temporada, Derick Rose. Até este momento o time de Miami conseguia se virar contando apenas com seus três principais jogadores.

Entretanto, na decisão ficou claro que a falta de outros grandes jogadores pesaria contra. O Dallas Marvericks não possuía três estrelas como os Heat – na verdade só possui uma grande estrela, o alemão Dirk Nowitzki – mas tinha ao menos quatro ou cinco jogadores de alto nível.

Liderados por Nowitzki (que está nos Mavs desde o começo de sua carreira, em 1998), Tyson Chandler, Jason Terry, Jason Kid, Shawn Marion e Jose Juan Barea provaram ser mais eficientes que o badalado triunvirato de Miami.

Além disso, nos momentos de decisão, Dirk Nowitzki provou estar muito mais preparado do que LeBron James. Em toda a série decisiva, LeBron fez 107 pontos nas seis partidas, tendo assim uma média de 17 pontos por jogo. Entretanto sua média nos últimos períodos das partidas é de apenas 3,1 pontos. Ou seja, nos momentos derradeiros, James não consegue produzir tudo o que sabe em prol de sua equipe.


Em um time tão dependente de apenas três jogadores, ficar sem um deles no quarto período de jogo é letal.

Até mesmo em casos semelhantes ao do Miami Heat foi necessário mais do que três grandes nomes para alçar um time ao título.

É o caso do Boston Celtics. Por duas temporadas seguidas o time do Celtics ficou na ultima colocação geral da NBA. Após isso, trouxe Kevin Garnett e Ray Allen que, unindo-se a Paul Pierce que já estava no time, alçaram o Boston da ultima colocação para o título na temporada seguinte, em 2007-2008.

Mas a equipe de Boston jamais conseguiria o título sem o auxilio de seu jovem armador Rajon Rondo, do ala Tony Allen e do pivô Kendrick Perkins, que supriam as ausências das estrelas principais quando estavam descansando ou machucados.

Portanto, a lição que ficou para o Miami Heat é de que não se forma um time campeão da noite para o dia. Mesmo investindo pesado para formar um trio poderosíssimo, o coletivismo e equilíbrio ainda são ingredientes fundamentais para qualquer campeão.

Já para LeBron James, a lição que fica é de que muitas vezes é necessário provar fidelidade a sua equipe durante anos para se conseguir chegar ao topo.

Exatamente como fez Dirk Nowitzki e o seu Dallas.

domingo, 29 de maio de 2011

Um título para o Barça. Uma vitória para o futebol

Quando o Real Madrid ganhou a segunda da seqüência de quatro partidas contra o Barcelona, válida pela decisão da Copa do Rei da Espanha, por um a zero, diversos jogadores madrilenhos deixaram o campo afirmando que o Real finalmente havia aprendido a jogar contra o Barça... ledo engano madrilenho. O Real não aprendeu a parar a máquina catalã e foi engolido nas duas partidas seguintes que valiam vaga para a final da Champions League.

Quando o Manchester United chegou a decisão do principal torneio interclubes do planeta, muitos afirmaram que o atual campeão inglês seria a única equipe no mundo capaz de parar o Barcelona. Ledo engano outra vez!

Todos sabem como joga o Barcelona. Todos sabem suas principais peças e principais jogadas, mas até hoje, em raríssimas exceções, não conseguiram parar a equipe espanhola.


Não que o Manchester United não tenha tentado e se esforçado no jogo decisivo de Wembley. A equipe inglesa começou melhor na partida, sufocando os espanhóis em seu campo de defesa e impedindo que a equipe adversária conseguisse fazer o que melhor sabe fazer, ou seja, ter a bola nos pés.
Entretanto essa pressão não foi suficiente para que os comandados de Sir. Alex Fergunson tirassem o zero do placar. Após levar sustos com as chegadas perigosas de Rooney e Chicharito Hernandez, o Barcelona controlou o meio de campo, passou a ter mais posse de bola (chegou a ter 70% da posse no primeiro tempo) e, conseqüentemente, melhorou sua troca de passes.

Mas o gol demorava a sair e a solução teve que vir da base catalã. Pedro abriu o marcador após assistência espetacular do “cérebro” Xavi.

Aliás, não dá para dizer que Pedro e Xavi foram as únicas soluções da base utilizada pelo Barcelona, afinal, dos 11 titulares espanhóis, sete deles (Pedro, Messi, Xavi, Iniesta, Busquets, Piqué e Victor Váldes) vieram da famosa cantera de Masia, comprovando a preferência do clube de investir na formação dos jogadores.


Com o primeiro gol marcado era de se esperar que o Manchester não tivesse forças para reagir, mas a ótima jogada criada pelo principal jogador inglês, Wayne Rooney, com duas tabelas próximas a área adversária foram o suficiente para empatar a partida e recolocar o Diabos Vermelhos com chances de título.

Entretanto, ainda faltava o brilho individual de Messi. No começo do segundo tempo ele arrancou em velocidade pelo lado direito, uma de suas armas mais letais, mas, ao invés de invadir a área com dribles curtos ou tabelando em velocidade com seus companheiros, Messi surpreendeu o goleiro Van der Sar ao chutar com força de perna esquerda ainda na entrada da grande área.

O 2x1 no placar fez o Manchester sucumbir de vez ao espetáculo barcelonista. Nada que os ingleses produziam parecia assustar a retaguarda catalã e os minutos restantes para o fim da partida eram mera formalidade antes que se iniciasse a festa azul-grená em Wembley e em Barcelona.


Ainda antes do apito final, o Barça teve tempo de fazer mais um golaço, com David Villa, e prestar homenagem ao zagueiro Puyol, capitão do time durante toda a temporada, que entrou nos minutos finais para receber a faixa de capitão e ter a honra de levantar a taça. Ao final da partida, entretanto, Puyol demonstrou toda a união e o companheirismo característicos de sua equipe ao abrir mão da faixa e passar a honra para o francês Abidal, que este ano lutou e venceu um tumor no fígado.

Como dito anteriormente, o Manchester United realmente tentou parar o Barcelona, mas falhou assim como todos os outros que tentaram nesta edição da Uefa Champions League. Melhor assim, pois qualquer outro resultado que não fosse a vitória de Messi e seus companheiros seria um ato de vilania futebolística imperdoável.

Para o bem da história do futebol, venceu uma das melhores equipes de toda a história do futebol.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

“Ciclovia é uma coisa feia, que não embeleza nada.”

Por Guilherme Uchoa

Um dos músicos eruditos brasileiros mais respeitados da atualidade, Gilberto Mendes concedeu um espaço em sua rotina para conversar com a reportagem da revista. Nascido em Santos, em 1922, foi um dos que participaram da passeata contra a destruição do jardim da praia para construção da ciclovia. Agora, ele está indignado com a ciclovia da Ana Costa.

“Fazer ciclovias ao lado de palmeiras imperiais na Ana Costa? Tira toda a majestade da avenida. Pelo amor de Deus, esculhambaram a avenida!”

Responsável pela criação do Manifesto Música Nova de Santos e coordenador do festival com o mesmo nome, Mendes estudou no Conservatório Musical de Santos e frequentou Ferienkurse fuer Neue Musik de Darmstadt, na Alemanha.

Deu aulas na Universidade de Wisconsin-Milwauke, nos Estados Unidos e, entre os diversos prêmios que recebeu, destacam-se os prêmios da APCA, o premio Carlos Gomes, do Governo do Estado de São Paulo, o título de “Cidadão Emérito” da cidade de Santos e a insígnia e diploma de admissão na “Ordem do Mérito Cultural”, recebida no governo Lula. Toda essa bagagem cultural, adquirida nos anos em que passou por diversos países do mundo, credenciam-no a falar muito mais do que apenas sobre música. De opinião e argumentos fortes, Gilberto Mendes recebeu a reportagem da revista em sua cobertura, localizada a apenas uma quadra da praia.

Sentado entre diversos auto-retratos que decoram as paredes de sua sala, Gilberto Mendes falou sobre as ciclovias de Santos, sua relação com a bicicleta e contou um pouco mais sobre suas experiências internacionais.


Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Repórter Guilherme Uchoa — A expansão das ciclovias de Santos pode ser vista de maneira positiva ou não?
Gilberto Mendes — Do ponto de vista urbanístico, é negativo. Ciclovia é uma coisa feia, que não embeleza nada.

GU — E com relação à utilidade que as ciclovias possuem?
GM — A utilidade dela significa maior segurança para a bicicleta. Agora, encher a cidade de ciclovias? Parece-me que Santos está muito orgulhosa de ter ciclovias! Santos têm mais do que se orgulhar — tem José Bonifácio, tem escritores, tem história política, o Brasil começou por aqui, e a cidade está mais preocupada com ciclovias. A ciclovia da praia, por exemplo. Se não fosse o movimento do qual participei, teriam destruído o jardim para fazer uma ciclovia. Fizemos um movimento grande, uma passeata. Pelo menos essa ciclovia, a da praia, eles fizeram direitinho, fizeram uma coisa pequena, ai tudo bem. É uma coisa de praia, mas do jeito que queriam fazer ia ficar um horror.

GU — O senhor acha que a ciclovia pode ser um sinal de que o transporte público não é eficiente?
GM — Não. A ciclovia só é feita para ganhar dinheiro. Só fazem essas coisas para ganhar dinheiro. Para dizer que fizeram obras. Eu já fui varias vezes para a Holanda, o país das bicicletas, e lá não existem ciclovias. Lá, a ciclovia é um risco no chão da calçada. A bicicleta faz parte do corpo do holandês, eles andam muito bem de bicicleta.


Agora eles fizeram uma ciclovia na Avenida Ana Costa? É a mesma coisa que fazer uma ciclovia nas avenidas Champ Elysees, em Paris, ou na Quinta Avenida, em Nova Iorque. Fazer ciclovias ao lado de palmeiras imperiais na Ana Costa? Tira toda a majestade da avenida. Pelo amor de Deus, esculhambaram a avenida! A Ana Costa era a nossa Champ Elysees, a nossa Quinta Avenida, era a nossa grande avenida, a nossa Avenida Paulista.

GU — Quais são os problemas de se fazer uma ciclovia na Avenida Ana Costa?
GM — Destruíram a estética da avenida. A ciclovia em si é uma coisa esportiva, não é uma coisa bonita do ponto de vista do urbanismo e da arquitetura. Mas poderia ser na Ana Costa se fosse, por exemplo, ao lado da calçada, mais afastada. Além disso, com a ciclovia ao lado das palmeiras, você tira a possibilidade de se andar ali e o pedestre vai ter problemas para atravessar a rua.

GU — A ciclovia como ela foi feita na praia não interferiu em nada?
GM — Urbanisticamente falando, ciclovia é uma coisa feia. Ela fica bem em um ambiente esportivo, uma praia, por exemplo. Mas urbanisticamente é uma coisa muito feia. Ali ela foi feita direitinho porque a praia é um lugar de esportes, ai cabe a bicicleta. Mas não iam fazer assim. Iam destruir e remodelar tudo para fazer a ciclovia. Queriam destruir o jardim por causa da ciclovia e o salvamos.

GU — O senhor comentou sobre a Holanda e também conhece muitos países. Mas o que se pode observar aqui no Brasil é que existe um preconceito em relação à bicicleta, de que ela seria um meio de transporte para as classes mais baixas. Na Europa existe a visão de que a bicicleta é um meio de transporte para todos?
GM — Não na Europa, mas na Holanda e na Bélgica, que são países vizinhos. Eles são muito dados a bicicleta. Em Nova Iorque também se usa muito bicicleta, patins.

GU — Inclusive como meio de transporte, para trabalhar?
GM — É! Porque patins e bicicleta andam depressa, mas só por causa disso vão fazer uma pista só para andar de patins?

GU — E por que existem essas diferenças de visão entre o brasileiro e o holandês?
GM — Acho que existe diferença porque é algo que aconteceu lá. É uma visão que eles têm. Quando estive lá, em qualquer canto que olhasse, havia muitas bicicletas.

GU — O que o senhor acha que precisaria ser mudado no Brasil para ter uma visão semelhante a respeito da bicicleta?
GM — Eu acho que não tem como mudar. Na França também não é assim, eles andam muito de bicicleta, mas como esporte e não como transporte.

GU — Em Santos pode acontecer uma mudança de postura para que todos passem a utilizar a bicicleta como meio de transporte e não apenas o trabalhador ou a empregada doméstica?
GM — É que para isso acontecer as pessoas têm de adquirir o hábito porque é uma coisa cultural. Esse é um hábito europeu. O brasileiro é fascinado por automóvel. Cada país tem o seu hábito.

GU — As bicicletas deveriam ser emplacadas e registradas?
GM — Deveriam ser emplacadas como eram no passado. Elas tinham placas, farol e campainha. Hoje, ainda deveria ser assim para os ciclistas respeitarem as normas de trânsito. Se um ciclista ultrapassa um sinal vermelho, por exemplo, deveria ser aplicada uma multa com o mesmo valor aplicado para um carro que comete essa infração.

GU — Então o que falta no Brasil é um rigor maior?
GM — Sim. Porque em outros países as pessoas sabem que se cometem alguma infração no trânsito vão receber uma multa gigantesca. Aqui no Brasil não existe rigor nem com carros, quanto mais com bicicletas.

GU — A bicicleta deve ser vista em Santos como um meio de transporte alternativo para se fugir dos trânsitos engarrafados?
GM — Eu acho que em Santos nem deveria ter carros, deveria ter só bicicletas. Ai não precisava fazer ciclovias porque as ruas já seriam ciclovias. É uma cidade ideal para bicicleta porque é totalmente plana.

GU — Por último, o senhor acha que a bicicleta seria um bom tema para se compor uma música?
GM — Tudo é tema para se fazer uma música, basta você saber pegar o assunto e adaptá-lo ao que você quer. Na França têm muitas. Eu estou lembrado de uma música que fala “La bicycllete!” [risos].

A entrevista foi concedida para a revista Bike, projeto dos alunos do terceiro ano de jornalismo da Universidade Santa Cecília.

domingo, 1 de maio de 2011

Recitando a Bíblia no Tennessee

Nos esportes é muito comum dizer que “Davi derrubou Golias”, ou seja, um time ou esportista tido como muitíssimo inferior venceu um adversário mais forte, de mais tradição. Na noite da última sexta feira nos Estados Unidos (madrugada de sábado no Brasil) a passagem bíblica ganhou novos ares comparativos na NBA.

É que o Golias/San Antonio Spurs foi derrotado na primeira fase dos playoffs pelo Davi/Memphis Grizzlies por 4 x 2 na série melhor de sete partidas. Por si só esse fato já é impressionante, mas vale ressaltar alguns aspectos desse confronto que fazem com que a comparação bíblica seja válida.

Em primeiro lugar, o Memphis jamais havia ganhando uma única partida de playoffs em toda sua história. Por apenas três vezes a equipe do Tennessee conseguiu classificação para a disputa da fase mata-mata do basquete norte-americano e, nas três vezes, foi eliminado por “varridas” - derrotas por 4 a 0.

Além disso, antes dessa séria, em apenas três oportunidades a equipe classificada em oitavo, e último lugar, de sua conferência foi capaz de vencer o primeiro colocado. Denver Nuggets, em 1994, New York Knicks, em 1999 e Golden State Warriors, em 2007, precederam os Grizzlies. Vale lembrar que as vitórias dos Nuggets e Knicks foram conquistadas em séries melhores de cinco partidas visto que ate 2002 as primeiras fases de playoffs eram decididos em apenas cinco confrontos. Após 2002 apenas os Warriors haviam conseguido vencer o líder de sua conferência em sete partidas. O feito foi conseguido com vitória por 4 a 2 ante o Dallas Marvericks.

Por sua vez, o poderoso San Antonio chegou para a série de partidas credenciado como favorito por sua tradição, possui quatro títulos da NBA, seu elenco, liderado por Manu Ginobili, Tim Ducan e Tony Parker, e pelo retrospecto desta atual temporada, classificou-se em primeiro lugar com 61 vitórias e apenas 21 derrotas.

Seguindo a linha de comparação, sendo Memphis o Davi, certamente sua funda e pedra são Zach Randolph e Marc Gasol. Longe de terem o brilho e a atenção destinada para estrelas maiores como LeBron James, Kobe Bryant, Kevin Durant, Derick Rose, Dwyane Wade e Paul Pierce, esses dois jogadores foram os principais responsáveis pela maior zebra da atual temporada, capaz de superar, por exemplo, a vitória do enfraquecido Clevaland Cavaliers sobre seu ex-ídolo LeBron James e Cia do Miami Heat.

Zach Randolph teve atuações impecáveis nas quatro vitórias de sua equipe: no jogo 1 - vitória por 101 a 98 - foi responsável por 25 pontos e 14 rebotes. No jogo 3 (91 a 88 para o Memphis) fez outros 25 pontos e cinco rebotes. Na partida seguinte foi mais discreto, com apenas 11 pontos e nove rebotes e, finalmente na sexta partida que definiu a classificação histórica, Randolph superou-se ao marcar 31 pontos, sendo 16 deles no ultimo quarto de jogo, e agarrar 11 rebotes.

Como companhia para suas boas atuações Randolph teve o auxílio do pivô espanhol Marc Gasol. O irmão menos conhecido e menos talentoso de Pau Gasol, astro do Los Angeles Lakers, esteve a altura do irmão mais velho atingindo números expressivos como os 24 pontos da primeira partida e o double-double da ultima partida, 12 pontos e 13 rebotes.

Entretanto, mesmo com essas duas armas, a vida dos torcedores de Memphis não deve ser tão boa na próxima fase. O time irá enfrentar o Oklahoma City Thunder das estrelas Kevin Durant e Russel Westbrook, responsáveis por eliminar o brasileiro Nenê e seu Denver Nuggets na primeira fase.

Com o nível de atuações que o Oklahoma vem apresentando nesta temporada é possível dizer que se trata de mais um Golias no caminho dos Grizzlies. Mesmo assim, para uma equipe que se encaixou tão bem no papel de Davi, as esperanças de mais uma vitória histórica ficarão vivas até o ultimo segundo de jogo ou, se você preferir, até o último sopro de vida do gigante Golias.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Redesenhando a rota Brasil-Europa

Já se passou o tempo em que rumar para a Europa era garantia de sucesso na carreira de um jogador.

Sim, nossas jovens promessas e estrelas do futebol continuam rumando para o velho continente com extrema facilidade, seduzidos pelos euros, pela fama e pela possibilidade de atuar em algumas das maiores equipes do mundo. Entretanto, é possível notar um perfil diferente do jogador brasileiro no exterior.

Após alguns anos atuando por lá, com ou sem muito sucesso, grandes nomes de nosso país optam por retornar a sua pátria mãe para atuar em nossos clubes. O resultado disso são campeonatos nacionais mais charmosos para os torcedores que se sentem motivados a freqüentar estádios e comprar produtos de seus clubes em função desses grandes nomes que retornam.

Financeiramente continua sendo muito mais satisfatório mudar-se para clubes estrangeiros, pois até os menores clubes europeus são capazes de bancar salários maiores dos que os tupiniquins.

Porém, mesmo sem poder proporcionar os mesmos vencimentos e sem ter as mesmas riquezas que eles, os times brasileiros estão conseguindo fazer frente aos maiores clubes do mundo, trazendo seus frutos para casa e, às vezes, até negando boas propostas para manter os atletas em seus elencos.


Exemplos dessa postura estão aparecendo dia após dia nos noticiários. O primeiro grande nome a anunciar seu retorno ao Brasil foi Ronaldo. Em 2009 o Corinthians tinha um projeto ambicioso, visando montar um elenco acima da média para brigar por títulos e para voltar a competir uma Libertadores da América. Já Ronaldo estava em queda na Europa, não era mais o mesmo de anos anteriores e beirava ao ostracismo no Milan, da Itália.

Com a proposta de jogar no Brasil, Ronaldo não só viu uma possibilidade de ser admirado e respeitado pelos torcedores brasileiros, que se acostumaram a vê-lo apenas pela televisão, como também viu um plano de marketing em torno de seu nome que beneficiaria tanto o jogador quanto o clube.

O resultado não poderia ser melhor: Ronaldo voltou, foi endeusado por torcedores e pela mídia, multiplicou o faturamento do Timão e ainda ajudou o clube, com sua técnica acima da média (apesar da péssima forma física), a conquistar Campeonato Paulista e Copa do Brasil.

Após isso outras estrelas, que já não estavam mais nos auges de suas carreiras, vislumbraram o retorno ao país com outros olhos, e, como o futebol brasileiro esta em um nível técnico muito inferior se comparado às grandes ligas européias, esses atletas conseguiriam se destacar mesmo que já não fossem mais os mesmos que eram antes.

Com isso, a lista foi engrossando. Após Ronaldo voltaram também Roberto Carlos, que, em fase final da carreira, jogava na fraca liga turca, Ricardo Oliveira, que passou muitos anos atuando em clubes meramente medianos da Espanha, Fred, que cansou de ganhar títulos nacionais pelo Lyon da França sem ter com isso a possibilidade de ganhar algum troféu internacional mais almejado, e Robinho, que foi emprestado por seis meses para ser um dos lideres da fantástica equipe do Santos do primeiro semestre de 2010, conquistando Paulista, Copa do Brasil e deixando o país inteiro fascinado com um futebol ofensivo e goleador que o clube formou.


Com o sucesso conseguido por esses jogadores, a maioria com passagens marcantes pela seleção brasileira, tornou-se mais fácil repatriar outros jogadores. Elano assinou sua volta ao clube formador, o Santos, para reconquistar o espaço perdido na seleção canarinha após a Copa do Mundo.

É verdade que ele foi um dos poucos nomes da esquadra formada por Dunga que escapou das vaias e da fúria imposta por torcedores e jornalistas após a desclassificação contra a Holanda. Mesmo assim Elano não foi mais convocado, muito em função da nova proposta da CBF e do novo técnico, Mano Menezes, de renovar a seleção e dar prioridade para jogadores novos, muitos ainda em idade olímpica.

Voltando ao Santos, Elano espera repetir o sucesso conquistado por Robinho e ganhar visibilidade na mídia para voltar a defender a seleção.

Além dele, ainda existe a chance de repatriar duas estrelas com passagem pela seleção. Adriano esteve em pauta durante muito tempo. Com poucas e fracas atuações na Roma, da Itália, muitos clubes nacionais tentaram conquistá-lo.

Quando esteve no Brasil, jogando pelo São Paulo e Flamengo, Adriano teve boas atuações e atingiu ótimas médias de gols. Voltando para a Itália, foi vendido para o clube romano, onde ainda não teve muitas alegrias. Esteve muito tempo fora de forma e em alguns momentos entrou em atrito com o técnico Claudio Ranieri.

Tudo isso encheu Corinthians e Flamengo de esperanças. Porém, ao ver que existia a possibilidade de que Adriano fosse embora, a Roma fez com que ele ganhasse mais oportunidades e jogasse mais vezes, esfriando as negociações com os clubes brasileiros.


Com as negociações emperradas entre brasileiros e romanos, a bola da vez passou a ser Ronaldinho Gaúcho, do também italiano Milan.

Nos mesmos moldes das outras negociações estrelares, envolvendo altos salários, ajuda de empresas e patrocinadores e a possibilidade de ser “rei” diante da mediocridade da maioria dos times brasileiros, Ronaldinho tenta sair do Milan, onde é incapaz de repetir duas boas atuações seguidas, para ser a principal peça dos elencos de Grêmio (clube que o lançou ao mundo), Flamengo ou Palmeiras.

Juntando-se a essa leva de craques, também existem alguns jogadores de menor importância e nível técnico que tomam por opção voltar ao Brasil. Charles, formado no Cruzeiro e, até então, atuando no desconhecido futebol russo do Lokomotiv Moscou, foi contratado pelo Santos, sonhando com grande sucesso em uma eventual conquista de Libertadores ou Brasileirão. O chileno Valdívia dispensou a fartura árabe para retornar ao Palmeiras, clube que possui um grande carinho e onde goza de muito prestígio.

Outro caso que também ganhou muito destaque foi a recusa de Santos e Neymar aos milhões de euros oferecidos pelo Chelsea da Inglaterra. Optando por um plano de carreira desenvolvido pelo Santos e planejando uma futura venda com valores bem superiores aos atuais, Neymar, pai e filho, resolveram dar mais alguns anos ao futebol brasileiro.

É claro que todas essas negociações estão longe de possuir um âmbito emocional que mereça ser destacado, pois, se existe, não é prioridade na hora de decidir permanecer na Europa ou voltar ao Brasil.

O que acontece é que os grandes clubes brasileiros estão aprendendo a competir mercadologicamente com os clubes estrangeiros, tentando fazer com que o aspecto financeiro seja o mais próximo possível dos europeus (seja por parceria com patrocinadores ou por fundo de investimento) e que a promessa de reconhecimento, admiração nacional e muitos títulos sejam preponderantes para que eles decidam voltar.

Apesar de não ser uma decisão guiada majoritariamente pelo coração e pelo carinho existente por determinado clube brasileiro, a possibilidade de repatriar jogadores de sucesso internacional faz com que a qualidade técnica de nosso futebol aproxime-se um pouco mais do que é jogado nos gramados gringos, além de representar um bom investimento financeiro para os clubes, que se tornam um atrativo para torcedores, patrocinadores e para mais espaço na mídia.

Já eu e outros tantos amantes do futebol-paixão preferimos não pensar muito no lado financeiro que motiva a volta dessas estrelas. Preferimos apenas admirá-los pela qualidade de seu jogo e gozar do prazer de vê-los atuando em nossos campos e não mais nos distantes campos da Europa.