quarta-feira, 18 de maio de 2011

“Ciclovia é uma coisa feia, que não embeleza nada.”

Por Guilherme Uchoa

Um dos músicos eruditos brasileiros mais respeitados da atualidade, Gilberto Mendes concedeu um espaço em sua rotina para conversar com a reportagem da revista. Nascido em Santos, em 1922, foi um dos que participaram da passeata contra a destruição do jardim da praia para construção da ciclovia. Agora, ele está indignado com a ciclovia da Ana Costa.

“Fazer ciclovias ao lado de palmeiras imperiais na Ana Costa? Tira toda a majestade da avenida. Pelo amor de Deus, esculhambaram a avenida!”

Responsável pela criação do Manifesto Música Nova de Santos e coordenador do festival com o mesmo nome, Mendes estudou no Conservatório Musical de Santos e frequentou Ferienkurse fuer Neue Musik de Darmstadt, na Alemanha.

Deu aulas na Universidade de Wisconsin-Milwauke, nos Estados Unidos e, entre os diversos prêmios que recebeu, destacam-se os prêmios da APCA, o premio Carlos Gomes, do Governo do Estado de São Paulo, o título de “Cidadão Emérito” da cidade de Santos e a insígnia e diploma de admissão na “Ordem do Mérito Cultural”, recebida no governo Lula. Toda essa bagagem cultural, adquirida nos anos em que passou por diversos países do mundo, credenciam-no a falar muito mais do que apenas sobre música. De opinião e argumentos fortes, Gilberto Mendes recebeu a reportagem da revista em sua cobertura, localizada a apenas uma quadra da praia.

Sentado entre diversos auto-retratos que decoram as paredes de sua sala, Gilberto Mendes falou sobre as ciclovias de Santos, sua relação com a bicicleta e contou um pouco mais sobre suas experiências internacionais.


Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Repórter Guilherme Uchoa — A expansão das ciclovias de Santos pode ser vista de maneira positiva ou não?
Gilberto Mendes — Do ponto de vista urbanístico, é negativo. Ciclovia é uma coisa feia, que não embeleza nada.

GU — E com relação à utilidade que as ciclovias possuem?
GM — A utilidade dela significa maior segurança para a bicicleta. Agora, encher a cidade de ciclovias? Parece-me que Santos está muito orgulhosa de ter ciclovias! Santos têm mais do que se orgulhar — tem José Bonifácio, tem escritores, tem história política, o Brasil começou por aqui, e a cidade está mais preocupada com ciclovias. A ciclovia da praia, por exemplo. Se não fosse o movimento do qual participei, teriam destruído o jardim para fazer uma ciclovia. Fizemos um movimento grande, uma passeata. Pelo menos essa ciclovia, a da praia, eles fizeram direitinho, fizeram uma coisa pequena, ai tudo bem. É uma coisa de praia, mas do jeito que queriam fazer ia ficar um horror.

GU — O senhor acha que a ciclovia pode ser um sinal de que o transporte público não é eficiente?
GM — Não. A ciclovia só é feita para ganhar dinheiro. Só fazem essas coisas para ganhar dinheiro. Para dizer que fizeram obras. Eu já fui varias vezes para a Holanda, o país das bicicletas, e lá não existem ciclovias. Lá, a ciclovia é um risco no chão da calçada. A bicicleta faz parte do corpo do holandês, eles andam muito bem de bicicleta.


Agora eles fizeram uma ciclovia na Avenida Ana Costa? É a mesma coisa que fazer uma ciclovia nas avenidas Champ Elysees, em Paris, ou na Quinta Avenida, em Nova Iorque. Fazer ciclovias ao lado de palmeiras imperiais na Ana Costa? Tira toda a majestade da avenida. Pelo amor de Deus, esculhambaram a avenida! A Ana Costa era a nossa Champ Elysees, a nossa Quinta Avenida, era a nossa grande avenida, a nossa Avenida Paulista.

GU — Quais são os problemas de se fazer uma ciclovia na Avenida Ana Costa?
GM — Destruíram a estética da avenida. A ciclovia em si é uma coisa esportiva, não é uma coisa bonita do ponto de vista do urbanismo e da arquitetura. Mas poderia ser na Ana Costa se fosse, por exemplo, ao lado da calçada, mais afastada. Além disso, com a ciclovia ao lado das palmeiras, você tira a possibilidade de se andar ali e o pedestre vai ter problemas para atravessar a rua.

GU — A ciclovia como ela foi feita na praia não interferiu em nada?
GM — Urbanisticamente falando, ciclovia é uma coisa feia. Ela fica bem em um ambiente esportivo, uma praia, por exemplo. Mas urbanisticamente é uma coisa muito feia. Ali ela foi feita direitinho porque a praia é um lugar de esportes, ai cabe a bicicleta. Mas não iam fazer assim. Iam destruir e remodelar tudo para fazer a ciclovia. Queriam destruir o jardim por causa da ciclovia e o salvamos.

GU — O senhor comentou sobre a Holanda e também conhece muitos países. Mas o que se pode observar aqui no Brasil é que existe um preconceito em relação à bicicleta, de que ela seria um meio de transporte para as classes mais baixas. Na Europa existe a visão de que a bicicleta é um meio de transporte para todos?
GM — Não na Europa, mas na Holanda e na Bélgica, que são países vizinhos. Eles são muito dados a bicicleta. Em Nova Iorque também se usa muito bicicleta, patins.

GU — Inclusive como meio de transporte, para trabalhar?
GM — É! Porque patins e bicicleta andam depressa, mas só por causa disso vão fazer uma pista só para andar de patins?

GU — E por que existem essas diferenças de visão entre o brasileiro e o holandês?
GM — Acho que existe diferença porque é algo que aconteceu lá. É uma visão que eles têm. Quando estive lá, em qualquer canto que olhasse, havia muitas bicicletas.

GU — O que o senhor acha que precisaria ser mudado no Brasil para ter uma visão semelhante a respeito da bicicleta?
GM — Eu acho que não tem como mudar. Na França também não é assim, eles andam muito de bicicleta, mas como esporte e não como transporte.

GU — Em Santos pode acontecer uma mudança de postura para que todos passem a utilizar a bicicleta como meio de transporte e não apenas o trabalhador ou a empregada doméstica?
GM — É que para isso acontecer as pessoas têm de adquirir o hábito porque é uma coisa cultural. Esse é um hábito europeu. O brasileiro é fascinado por automóvel. Cada país tem o seu hábito.

GU — As bicicletas deveriam ser emplacadas e registradas?
GM — Deveriam ser emplacadas como eram no passado. Elas tinham placas, farol e campainha. Hoje, ainda deveria ser assim para os ciclistas respeitarem as normas de trânsito. Se um ciclista ultrapassa um sinal vermelho, por exemplo, deveria ser aplicada uma multa com o mesmo valor aplicado para um carro que comete essa infração.

GU — Então o que falta no Brasil é um rigor maior?
GM — Sim. Porque em outros países as pessoas sabem que se cometem alguma infração no trânsito vão receber uma multa gigantesca. Aqui no Brasil não existe rigor nem com carros, quanto mais com bicicletas.

GU — A bicicleta deve ser vista em Santos como um meio de transporte alternativo para se fugir dos trânsitos engarrafados?
GM — Eu acho que em Santos nem deveria ter carros, deveria ter só bicicletas. Ai não precisava fazer ciclovias porque as ruas já seriam ciclovias. É uma cidade ideal para bicicleta porque é totalmente plana.

GU — Por último, o senhor acha que a bicicleta seria um bom tema para se compor uma música?
GM — Tudo é tema para se fazer uma música, basta você saber pegar o assunto e adaptá-lo ao que você quer. Na França têm muitas. Eu estou lembrado de uma música que fala “La bicycllete!” [risos].

A entrevista foi concedida para a revista Bike, projeto dos alunos do terceiro ano de jornalismo da Universidade Santa Cecília.

Um comentário:

  1. Muito boa a entrevista...
    Conteúdo e forma dignos de um profissional !!!
    É isso aí...

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